Em meados dos anos 80, num momento em que na França se debatiam estratégias de “redução de desigualdades” na Escola Pública, promovidas pelos socialistas, de um lado, e pelos reformistas, de outro, Jacques Rancière publica O Mestre Ignorante: Cinco lições sobre a Emancipação Intelectual (1987) onde descreve a “aventura intelectual” de Joseph Jacotot, famoso professor e filósofo do séc. XIX. Alguns anos mais tarde, em 2008, Rancière retoma ao seu livro e à experiência de Jacotot para explorar a relação entre os conceitos de emancipação intelectual e espectador e que resulta na escrita do ensaio O Espectador Emancipado, publicado no livro de título homónimo. O interesse pelo conceito de emancipação tal como é proposto por Jacotot, suscitou a vontade em descobrir se essa mesma proposta teria, em algum momento da história recente, sido aplicado ao ensino das Artes. Uma possível resposta foi encontrada num texto escrito por Josef Albers enquanto leccionava na Bauhaus, onde a partir da descrição apresentada é possível tirar algumas conclusões sobre a similitude do seu método e aquele proposto por Jacotot no século anterior.
No ensaio O Espectador Emancipado, Jacques Rancière propõe relacionar, a partir da experiência de Joseph Jacotot descrita na obra O Mestre Ignorante, os conceitos de emancipação intelectual e de espectador. Nele começa por explicar aquilo que designa de paradoxo do espectador (2008, p.8) e que utiliza para resumir as várias críticas a que o teatro deu origem ao longo da sua história: se por um lado, não há teatro sem espectador, por outro, dizem os acusadores, ser espectador é um mal que significa estar separado da capacidade de conhecer e do poder de agir. Em resposta a esse mesmo paradoxo, Rancière afirma que aquilo que é necessário é um teatro sem espectadores (2008, p.10), um outro teatro, conduzido à sua virtude original, no qual quem assiste aprende e se torna participante activo. Esta vontade em conduzir o teatro à sua virtude original foi também introduzida pelo movimento reformista. Os reformistas, escreve Rancière, defendem que o espectador não deve permanecer na sua posição de passividade, em contemplação da aparência do espetáculo, mas que deve ser arrastado para o centro da acção teatral — participação vital (2008, p.11). O palco e a performance devem desencadear no espectador o desejo de agir e de se tornar parte de uma prática colectiva, pois só se a sua natureza de assembleia ou comunidade for restituída, é possível uma reforma do teatro.
Esta mediação teatral (2008, p.15) levada a cabo pelos reformadores é, segundo Rancière, comparável com a relação pedagógica descrita por Joseph Jacotot na sua experiência. Tal como o pedagogo pressupõe uma relação de causa-efeito que deverá conduzir à transposição do abismo que existe entre duas inteligências, o reformista, ao impor essa mesma identidade de causa-efeito, espera que o espectador atravesse o abismo entre duas posições, que separam a atividade da passividade. Este é, segundo Rancière, e partindo da experiência de Jacotot, o princípio do embrutecimento. É neste momento do texto que, na tentativa de ajudar a reformular a proposta dos reformistas, o autor introduz o conceito de emancipação intelectual e o relaciona com o espectador. Nesse sentido, argumenta que a emancipação do espectador tem início quando se compreende que não existe oposição entre olhar e agir mas que olhar é também uma acção em que o espectador participa no espetáculo teatral compondo-a e traduzindo-o à sua maneira através das suas próprias observações, comparações e interpretações. Acrescenta ainda,“Ser espectador não é a condição passiva que devêssemos transformar em actividade. É a nossa situação normal”. Este é o teatro sem espectador. É sobre os conceitos de emancipação e embrutecimento que se alicerça esta proposta de Rancière e para procurar entender a sua origem é necessário recorrer à obra O Mestre Ignorante, na qual Rancière descreve em maior profundidade a experiência e propostas de Jacotot.
Tal como Rancière procurou relacionar o conceito de emancipação intelectual com espectador, procurar-se-á neste ensaio relacionar o conceito de emancipação proposto por Joseph Jacotot ao ensino das Artes. Mais especificamente, procurar perceber se ao longo da história recente do ensino, as suas propostas terão sido empregues por alguma escola, movimento, ou disciplina em particular. O Academicismo, que prevaleceu no mundo da Arte Ocidental até ao final do séc. XIX, foi um método de ensino sistematizado e hierarquizado, de veneração dos mestre e da tradição clássica. Apenas a partir da cópia, da repetição, do seguimento dos cânones e dos estilos propostos era possível ao aluno, ambicionar por um dia se tornar artista. Isto é aquilo que, partindo da experiência de Jacotot, é possível descrever como uma prática de embrutecimento: um sistema de ensino que se baseia na explicação, em que o aluno nada poderá compreender a menos que lhe seja explicado pelo mestre; um sistema de ensino que pressupõe a existência de duas inteligências, em que uma deve estar subordinada a outra, e cuja distância é perpetuada pelo próprio mestre ao introduzir constantemente entre elas uma nova ignorância que contribuirá para que possa ser sempre verificável a desigualdade das inteligência superior do mestre e inteligência inferior do aluno.
No início do séc. XX, com a introdução do Modernismo e da industrialização, este sistema de ensino entrou em decadência, dando espaço para o surgimento de novos paradigmas associados à educação nas Artes e ao aparecimento de novas Escolas, como é exemplo a Bauhaus. Aquilo que a definiu enquanto Escola levou a crer que este seria um bom ponto de partida para procurar responder à questão apresentada mais acima neste texto. É neste processo de pesquisa que surge o texto de Josef Albers, entitulado Werklicher Formunterricht (Teaching form through Practice)1, publicado em 1923. Neste texto, o artista descreve em pormenor o funcionamento da disciplina de Materiais que lecciona pela mesma altura na Bauhaus: quais as principais preocupações, de que forma está organizada, de que forma é orientada a instrução do aluno ao longo do curso e de que forma o próprio encara o seu papel enquanto professor.
O texto inicia com a a análise do autor sobre o sistema de ensino tradicional que vigorava noutros Escolas: um estudo determinado pelo recurso a técnicas tradicionais, que consistia na transmissão e aceitação de métodos de trabalho já há muito estabelecidos e que apenas contribuíam para a perda da liberdade criativa e da capacidade de invenção. Com esta descrição é possível perceber que este método de ensino pedagógico era uma prática de embrutecimento à qual, desde logo, Josef Albers se opunha. Pelo contrário, Josef Albers descreve que na sua disciplina, pelo menos numa fase inicial, a descoberta é desenvolvida a partir da experimentação, ao longo da qual o aluno deve participar de forma independente e sem pré- conceitos. A experiência pessoal na sua relação com o material é valorizada e aquilo que resulta dessa sua observação, análise e verificação são experiências que o aluno terá aprendido por si próprio e não por meio da explicação. Esta prática de emancipação, de aprender pelos próprios erros é, segundo Albers, aquilo que promove progresso2. Esta emancipação, libertará o aluno para criar novas funções e formas para o material.
Mas, embora o aluno possa aprender sem mestre explicador, a partir da sua própria experiência, ele não pode aprender sem mestre. Este ato de tradução daquilo que observa, verifica e associa é resultado da vontade do aluno em aprender sem necessidade de mestre explicador mas resulta também da vontade do mestre em orientá-lo na procura por si mesmos, escolhendo retirar a sua inteligência para deixar a do aluno entre à experimentação, reafirmando assim a igualdade das inteligências. A esta marcha do aluno, Albers junta-se, introduzindo na sua experiência constrangimentos que deverão ajudá-lo a procurar e encontrar resultados: a utilização de ferramentas, limitação das aplicações possíveis do material ou as necessidades formais mais relevantes a retirar do exercício. A partir daquilo que ele sabe, como mestre, orienta-o para que a àquilo que descobre possa relacionar tudo aquilo que já conhece, tal como o faz o mestre ignorante de Jacotot.
A fim de completar o processo de experimentação, necessário para progredir na disciplina de Materiais, o aluno deverá defender e discutir em grupo, juntamente com os seus pares, ou individualmente, entre mestre e aluno, os resultados dessas experiências. Estas discussões procuram apelar à observação e a uma nova forma de olhar para os materiais, bem comoà necessita de uma forte fundamentação, quanto à escolha de materiais, procedimentos e forma. Os modelos, as maquetes e os desenhos que resultam dessa experimentação, são a terceira coisa à qual mestre e aluno recorrem para verificar aquilo que o aluno diz observar e que é fundamental para que se possa concluir o processo de emancipação.
No final do seu texto, Albers que descreve a sua proposta como um ”modo indutivo de instrução” (2019, p.75), e assume, embora sem saber, a sua posição de mestre ignorante afirmando que “Aprender é melhor que ensinar, e que quanto mais o professor procura ensinar o seu aluno, menos os alunos podem aprender”. No entanto, não podemos deixar de constatar que, embora existam muitos pontos em comum entre a proposta de Josef Albers e de Joseph Jacotot, existem também alguns aspetos que as distanciam entre si.
Em primeiro lugar, o facto deste método surgir no contexto de uma disciplina e de uma Escola com um programa muito orientado para a industrialização, para o estudo da forma e função, da economia de produção e de trabalho. Josef Albers chega até a comparar a Bauhaus a um empreendimento colectivo. Não é por isso, um método que irá servir apenas para alimentar o espírito de homens e mulheres mas que tem por trás intenções orientadas por uma sociedade que se rege por um sistema capitalista. Em segundo, salvaguardar que Albers não exclui por completo do programa um método de ensino mais teórico. Apesar de não o propor para uma fase inicial do seu programa, uma vez que esse não promove a criatividade, aspeto fundamental ao longo do programa apresentado por Albers, reconhece que a explicação sobre métodos de produção e a sua aplicação possam ajudar a desenvolver destreza e perspicácia no domínio dos materiais.
Embora não seja possível a partir deste único texto, garantir que este caso particular é reflexo de uma forma de ensino defendido pela Bauhaus, aspetos como a valorização da experiência pessoal e uma (quase total) recusa aos processos de explicação, a tradução de resultados que posteriormente devem ser defendidos e discutidos, e a ideia de que o professor está ao mesmo nível de inteligência do seu aluno levam a crer que, ao longo do período em que leccionou aa disciplina de Materiais, Josef Albers procurou libertar-se dos métodos pedagógicos que dominavam a Academia e estabelecer um método de emancipação tal como proposto por Jacotot.
1 Publicado no no 3 da revista Bauhaus.
2 Para Josef Albers, este progresso, é o das formas, da função, da encomia do trabalho e da produção.
Albers, Josef. 2019. “Teaching form through practice.” In Design rehearsals. Conversations about bauhaus lessons., 71-76. Leipzig: Spector Books.
Rancière, Jacques. 2010. “O Espectador Emancipado.” In O Espectador Emancipado, 7-36. Lisboa: Orfeu Negro.
Rancière, Jacques. 2002. O mestre ignorante. Translated by Lilian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica.
Aula Preliminar de Josef Albers na Bauhaus, 1928.
Em meados dos anos 80, num momento em que na França se debatiam estratégias de “redução de desigualdades” na Escola Pública, promovidas pelos socialistas, de um lado, e pelos reformistas, de outro, Jacques Rancière publica O Mestre Ignorante: Cinco lições sobre a Emancipação Intelectual (1987) onde descreve a “aventura intelectual” de Joseph Jacotot, famoso professor e filósofo do séc. XIX. Alguns anos mais tarde, em 2008, Rancière retoma ao seu livro e à experiência de Jacotot para explorar a relação entre os conceitos de emancipação intelectual e espectador e que resulta na escrita do ensaio O Espectador Emancipado, publicado no livro de título homónimo. O interesse pelo conceito de emancipação tal como é proposto por Jacotot, suscitou a vontade em descobrir se essa mesma proposta teria, em algum momento da história recente, sido aplicado ao ensino das Artes. Uma possível resposta foi encontrada num texto escrito por Josef Albers enquanto leccionava na Bauhaus, onde a partir da descrição apresentada é possível tirar algumas conclusões sobre a similitude do seu método e aquele proposto por Jacotot no século anterior.
No ensaio O Espectador Emancipado, Jacques Rancière propõe relacionar, a partir da experiência de Joseph Jacotot descrita na obra O Mestre Ignorante, os conceitos de emancipação intelectual e de espectador. Nele começa por explicar aquilo que designa de paradoxo do espectador (2008, p.8) e que utiliza para resumir as várias críticas a que o teatro deu origem ao longo da sua história: se por um lado, não há teatro sem espectador, por outro, dizem os acusadores, ser espectador é um mal que significa estar separado da capacidade de conhecer e do poder de agir. Em resposta a esse mesmo paradoxo, Rancière afirma que aquilo que é necessário é um teatro sem espectadores (2008, p.10), um outro teatro, conduzido à sua virtude original, no qual quem assiste aprende e se torna participante activo. Esta vontade em conduzir o teatro à sua virtude original foi também introduzida pelo movimento reformista. Os reformistas, escreve Rancière, defendem que o espectador não deve permanecer na sua posição de passividade, em contemplação da aparência do espetáculo, mas que deve ser arrastado para o centro da acção teatral — participação vital (2008, p.11). O palco e a performance devem desencadear no espectador o desejo de agir e de se tornar parte de uma prática colectiva, pois só se a sua natureza de assembleia ou comunidade for restituída, é possível uma reforma do teatro.
Esta mediação teatral (2008, p.15) levada a cabo pelos reformadores é, segundo Rancière, comparável com a relação pedagógica descrita por Joseph Jacotot na sua experiência. Tal como o pedagogo pressupõe uma relação de causa-efeito que deverá conduzir à transposição do abismo que existe entre duas inteligências, o reformista, ao impor essa mesma identidade de causa-efeito, espera que o espectador atravesse o abismo entre duas posições, que separam a atividade da passividade. Este é, segundo Rancière, e partindo da experiência de Jacotot, o princípio do embrutecimento. É neste momento do texto que, na tentativa de ajudar a reformular a proposta dos reformistas, o autor introduz o conceito de emancipação intelectual e o relaciona com o espectador. Nesse sentido, argumenta que a emancipação do espectador tem início quando se compreende que não existe oposição entre olhar e agir mas que olhar é também uma acção em que o espectador participa no espetáculo teatral compondo-a e traduzindo-o à sua maneira através das suas próprias observações, comparações e interpretações. Acrescenta ainda,“Ser espectador não é a condição passiva que devêssemos transformar em actividade. É a nossa situação normal”. Este é o teatro sem espectador. É sobre os conceitos de emancipação e embrutecimento que se alicerça esta proposta de Rancière e para procurar entender a sua origem é necessário recorrer à obra O Mestre Ignorante, na qual Rancière descreve em maior profundidade a experiência e propostas de Jacotot.
Tal como Rancière procurou relacionar o conceito de emancipação intelectual com espectador, procurar-se-á neste ensaio relacionar o conceito de emancipação proposto por Joseph Jacotot ao ensino das Artes. Mais especificamente, procurar perceber se ao longo da história recente do ensino, as suas propostas terão sido empregues por alguma escola, movimento, ou disciplina em particular. O Academicismo, que prevaleceu no mundo da Arte Ocidental até ao final do séc. XIX, foi um método de ensino sistematizado e hierarquizado, de veneração dos mestre e da tradição clássica. Apenas a partir da cópia, da repetição, do seguimento dos cânones e dos estilos propostos era possível ao aluno, ambicionar por um dia se tornar artista. Isto é aquilo que, partindo da experiência de Jacotot, é possível descrever como uma prática de embrutecimento: um sistema de ensino que se baseia na explicação, em que o aluno nada poderá compreender a menos que lhe seja explicado pelo mestre; um sistema de ensino que pressupõe a existência de duas inteligências, em que uma deve estar subordinada a outra, e cuja distância é perpetuada pelo próprio mestre ao introduzir constantemente entre elas uma nova ignorância que contribuirá para que possa ser sempre verificável a desigualdade das inteligência superior do mestre e inteligência inferior do aluno.
No início do séc. XX, com a introdução do Modernismo e da industrialização, este sistema de ensino entrou em decadência, dando espaço para o surgimento de novos paradigmas associados à educação nas Artes e ao aparecimento de novas Escolas, como é exemplo a Bauhaus. Aquilo que a definiu enquanto Escola levou a crer que este seria um bom ponto de partida para procurar responder à questão apresentada mais acima neste texto. É neste processo de pesquisa que surge o texto de Josef Albers, entitulado Werklicher Formunterricht (Teaching form through Practice)1, publicado em 1923. Neste texto, o artista descreve em pormenor o funcionamento da disciplina de Materiais que lecciona pela mesma altura na Bauhaus: quais as principais preocupações, de que forma está organizada, de que forma é orientada a instrução do aluno ao longo do curso e de que forma o próprio encara o seu papel enquanto professor.
O texto inicia com a a análise do autor sobre o sistema de ensino tradicional que vigorava noutros Escolas: um estudo determinado pelo recurso a técnicas tradicionais, que consistia na transmissão e aceitação de métodos de trabalho já há muito estabelecidos e que apenas contribuíam para a perda da liberdade criativa e da capacidade de invenção. Com esta descrição é possível perceber que este método de ensino pedagógico era uma prática de embrutecimento à qual, desde logo, Josef Albers se opunha. Pelo contrário, Josef Albers descreve que na sua disciplina, pelo menos numa fase inicial, a descoberta é desenvolvida a partir da experimentação, ao longo da qual o aluno deve participar de forma independente e sem pré- conceitos. A experiência pessoal na sua relação com o material é valorizada e aquilo que resulta dessa sua observação, análise e verificação são experiências que o aluno terá aprendido por si próprio e não por meio da explicação. Esta prática de emancipação, de aprender pelos próprios erros é, segundo Albers, aquilo que promove progresso2. Esta emancipação, libertará o aluno para criar novas funções e formas para o material.
Mas, embora o aluno possa aprender sem mestre explicador, a partir da sua própria experiência, ele não pode aprender sem mestre. Este ato de tradução daquilo que observa, verifica e associa é resultado da vontade do aluno em aprender sem necessidade de mestre explicador mas resulta também da vontade do mestre em orientá-lo na procura por si mesmos, escolhendo retirar a sua inteligência para deixar a do aluno entre à experimentação, reafirmando assim a igualdade das inteligências. A esta marcha do aluno, Albers junta-se, introduzindo na sua experiência constrangimentos que deverão ajudá-lo a procurar e encontrar resultados: a utilização de ferramentas, limitação das aplicações possíveis do material ou as necessidades formais mais relevantes a retirar do exercício. A partir daquilo que ele sabe, como mestre, orienta-o para que a àquilo que descobre possa relacionar tudo aquilo que já conhece, tal como o faz o mestre ignorante de Jacotot.
A fim de completar o processo de experimentação, necessário para progredir na disciplina de Materiais, o aluno deverá defender e discutir em grupo, juntamente com os seus pares, ou individualmente, entre mestre e aluno, os resultados dessas experiências. Estas discussões procuram apelar à observação e a uma nova forma de olhar para os materiais, bem comoà necessita de uma forte fundamentação, quanto à escolha de materiais, procedimentos e forma. Os modelos, as maquetes e os desenhos que resultam dessa experimentação, são a terceira coisa à qual mestre e aluno recorrem para verificar aquilo que o aluno diz observar e que é fundamental para que se possa concluir o processo de emancipação.
No final do seu texto, Albers que descreve a sua proposta como um ”modo indutivo de instrução” (2019, p.75), e assume, embora sem saber, a sua posição de mestre ignorante afirmando que “Aprender é melhor que ensinar, e que quanto mais o professor procura ensinar o seu aluno, menos os alunos podem aprender”. No entanto, não podemos deixar de constatar que, embora existam muitos pontos em comum entre a proposta de Josef Albers e de Joseph Jacotot, existem também alguns aspetos que as distanciam entre si.
Em primeiro lugar, o facto deste método surgir no contexto de uma disciplina e de uma Escola com um programa muito orientado para a industrialização, para o estudo da forma e função, da economia de produção e de trabalho. Josef Albers chega até a comparar a Bauhaus a um empreendimento colectivo. Não é por isso, um método que irá servir apenas para alimentar o espírito de homens e mulheres mas que tem por trás intenções orientadas por uma sociedade que se rege por um sistema capitalista. Em segundo, salvaguardar que Albers não exclui por completo do programa um método de ensino mais teórico. Apesar de não o propor para uma fase inicial do seu programa, uma vez que esse não promove a criatividade, aspeto fundamental ao longo do programa apresentado por Albers, reconhece que a explicação sobre métodos de produção e a sua aplicação possam ajudar a desenvolver destreza e perspicácia no domínio dos materiais.
Embora não seja possível a partir deste único texto, garantir que este caso particular é reflexo de uma forma de ensino defendido pela Bauhaus, aspetos como a valorização da experiência pessoal e uma (quase total) recusa aos processos de explicação, a tradução de resultados que posteriormente devem ser defendidos e discutidos, e a ideia de que o professor está ao mesmo nível de inteligência do seu aluno levam a crer que, ao longo do período em que leccionou aa disciplina de Materiais, Josef Albers procurou libertar-se dos métodos pedagógicos que dominavam a Academia e estabelecer um método de emancipação tal como proposto por Jacotot.
1 Publicado no no 3 da revista Bauhaus.
2 Para Josef Albers, este progresso, é o das formas, da função, da encomia do trabalho e da produção.
Albers, Josef. 2019. “Teaching form through practice.” In Design rehearsals. Conversations about bauhaus lessons., 71-76. Leipzig: Spector Books.
Rancière, Jacques. 2010. “O Espectador Emancipado.” In O Espectador Emancipado, 7-36. Lisboa: Orfeu Negro.
Rancière, Jacques. 2002. O mestre ignorante. Translated by Lilian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica.