A montanha, o céu, o mar, o rio, o sol, a mão. Observamos no trabalho da Marta Ramos uma constante ligação a temas e formas da Natureza e do Corpo. A partir deles, ainda que não exclusivamente, explora e opera a relação dos conceitos de desenho, dança e performance, uma intenção expressa pela primeira vez na sua dissertação Do registo como condição coreográfica no design: experiência, notação e performance1 e que tem marcado aquela que é a sua obra enquanto artista visual e performer. Encontramos testemunhos disso em Gesto sobre papel 2, na qual procura relacionar a gestualidade com o conceito de identidade, e para isso regista numa longa tira de papel o contorno dos gestos produzidos pela sua própria mão ao longo da performance; Índigo: a cor entre o céu e o mar3 em que a linha de horizonte que separa o mar e o céu é premissa para explorar os conceitos de limite e território; Um corpo que se esconde também existe4 na qual narra histórias sobre a invisibilidade do corpo que emergem de uma experiência interior e de auto-descoberta; E se eu fosse uma montanha?5 em que contempla e retrata o lugar da Serra de São Macário e questiona sobre as possibilidades de transformação de um corpo. Algumas destas obras resultam também em livros-objecto. Desta maneira, fixa o tempo e lugar da performance enquanto expande as possibilidades do seu resultado, transpondo-o de um espaço a três dimensões para um outro que é criado no plano da folha de papel. Uma Dança Entre Duas Pedras e Uma Sombra é um ensaio que dá continuidade a este processo de reflexão e de experiência formal e é também um retomar às matérias da Natureza.
A dança, sabemos, conhece diferentes formas, lugares e ritmos. Nesta a que aqui assistimos, o desenho é a forma, o livro, o lugar, a página, o ritmo. A coreografia resulta da repetição e da relação de dois corpos tangíveis – as pedras – com um terceiro elemento, imaterial – a sombra –, num lugar que é o do livro mas que poderá ter como fundo uma qualquer paisagem que desejemos encontrar. A simplicidade do desenho, quase naïf, coexiste com a rigidez do traço e o breu da mancha. A matéria vai deixando pistas sobre o espírito e energia que insurge, ao mesmo tempo que o desenho nos lembra das mãos que lhe deram forma e de como o corpo participou deste processo. O vazio, o silêncio interpelam a imaginação. É o que não está lá, aquilo que podemos ver.
Estes desenhos contam-nos histórias de causa e efeito. Mostram-nos como uma acção – a das pedras, neste caso – implica, quase sempre, uma reacção – a da sombra. Sobre esta última, nem sempre é possível compreendê-la ou antecipá-la, pode ser tão previsível quanto inesperada. Porventura, ela varia consoante a intensidade da luz, a proximidade ou afastamento entre os dois corpos ou da relação deles com o lugar. As pedras movem-se livres, sem que os limites da página definam os seus movimentos. Podemos suspeitar da sua quietude ou imaginar a velocidade e intensidade com que se deslocam, na mesma aceleração da música que inventamos para as acompanhar nesta dança - errática ou melódica. As pedras avançam e recuam, giram, saltam, transformam-se. O ritmo é improvisado pelo espectador que decide quando avançar ou recuar, qual o sentido da dança, como suceder cada fragmento e que tempo oferecer a cada passagem. Ela apenas termina quando o folhear da página não é mais necessário e o livro se encerra. Quando novamente aberto, encontramos nele uma outra dança, uma em que o desenho toma novas formas, o folhear da página, um outro tempo, e o lugar, diferentes paisagens.
1 Consultar http://hdl.handle.net/10400.26/6706
2 Apresentada no âmbito do workshop “Re:Re: arranjar”, Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Maio, 2017; “Serralves em Festa”, Fundação de Serralves, Porto, Junho 2017.
3 Conceito, criação e performance em co-autoria com Ana Renata Polónia. Apresentada em “Corpo + Cidade”, Festival DDD (transmissão online), Abril, 2021.
4 Apresentada no âmbito do programa “Palcos Instáveis · Primeiras Obras”, Teatro Municipal do Porto – Campo Alegre, Novembro, 2020; Alkantara Festival, Lisboa, Março, 2019; BoCA Biennial of Contemporary Arts, Culturgest, Porto, Março, 2019; Planalto – Festival das Artes, Moimenta da Beira, Maio, 2019; “Cartografias #2”, Forum Dança, Lisboa, Outubro 2019.
5 Instalação de Rita Castro Neves e Daniel Moreira; Apresentada no âmbito do ciclo “Era já ali e já era outra coisa”, Neblina, Porto, 2021
Dupla página do livro Uma Dança entre Duas Pedras e Uma Sombra.
A montanha, o céu, o mar, o rio, o sol, a mão. Observamos no trabalho da Marta Ramos uma constante ligação a temas e formas da Natureza e do Corpo. A partir deles, ainda que não exclusivamente, explora e opera a relação dos conceitos de desenho, dança e performance, uma intenção expressa pela primeira vez na sua dissertação Do registo como condição coreográfica no design: experiência, notação e performance1 e que tem marcado aquela que é a sua obra enquanto artista visual e performer. Encontramos testemunhos disso em Gesto sobre papel 2, na qual procura relacionar a gestualidade com o conceito de identidade, e para isso regista numa longa tira de papel o contorno dos gestos produzidos pela sua própria mão ao longo da performance; Índigo: a cor entre o céu e o mar3 em que a linha de horizonte que separa o mar e o céu é premissa para explorar os conceitos de limite e território; Um corpo que se esconde também existe4 na qual narra histórias sobre a invisibilidade do corpo que emergem de uma experiência interior e de auto-descoberta; E se eu fosse uma montanha?5 em que contempla e retrata o lugar da Serra de São Macário e questiona sobre as possibilidades de transformação de um corpo. Algumas destas obras resultam também em livros-objecto. Desta maneira, fixa o tempo e lugar da performance enquanto expande as possibilidades do seu resultado, transpondo-o de um espaço a três dimensões para um outro que é criado no plano da folha de papel. Uma Dança Entre Duas Pedras e Uma Sombra é um ensaio que dá continuidade a este processo de reflexão e de experiência formal e é também um retomar às matérias da Natureza.
A dança, sabemos, conhece diferentes formas, lugares e ritmos. Nesta a que aqui assistimos, o desenho é a forma, o livro, o lugar, a página, o ritmo. A coreografia resulta da repetição e da relação de dois corpos tangíveis – as pedras – com um terceiro elemento, imaterial – a sombra –, num lugar que é o do livro mas que poderá ter como fundo uma qualquer paisagem que desejemos encontrar. A simplicidade do desenho, quase naïf, coexiste com a rigidez do traço e o breu da mancha. A matéria vai deixando pistas sobre o espírito e energia que insurge, ao mesmo tempo que o desenho nos lembra das mãos que lhe deram forma e de como o corpo participou deste processo. O vazio, o silêncio interpelam a imaginação. É o que não está lá, aquilo que podemos ver.
Estes desenhos contam-nos histórias de causa e efeito. Mostram-nos como uma acção – a das pedras, neste caso – implica, quase sempre, uma reacção – a da sombra. Sobre esta última, nem sempre é possível compreendê-la ou antecipá-la, pode ser tão previsível quanto inesperada. Porventura, ela varia consoante a intensidade da luz, a proximidade ou afastamento entre os dois corpos ou da relação deles com o lugar. As pedras movem-se livres, sem que os limites da página definam os seus movimentos. Podemos suspeitar da sua quietude ou imaginar a velocidade e intensidade com que se deslocam, na mesma aceleração da música que inventamos para as acompanhar nesta dança - errática ou melódica. As pedras avançam e recuam, giram, saltam, transformam-se. O ritmo é improvisado pelo espectador que decide quando avançar ou recuar, qual o sentido da dança, como suceder cada fragmento e que tempo oferecer a cada passagem. Ela apenas termina quando o folhear da página não é mais necessário e o livro se encerra. Quando novamente aberto, encontramos nele uma outra dança, uma em que o desenho toma novas formas, o folhear da página, um outro tempo, e o lugar, diferentes paisagens.
1 Consultar http://hdl.handle.net/10400.26/6706
2 Apresentada no âmbito do workshop “Re:Re: arranjar”, Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Maio, 2017; “Serralves em Festa”, Fundação de Serralves, Porto, Junho 2017.
3 Conceito, criação e performance em co-autoria com Ana Renata Polónia. Apresentada em “Corpo + Cidade”, Festival DDD (transmissão online), Abril, 2021.
4 Apresentada no âmbito do programa “Palcos Instáveis · Primeiras Obras”, Teatro Municipal do Porto – Campo Alegre, Novembro, 2020; Alkantara Festival, Lisboa, Março, 2019; BoCA Biennial of Contemporary Arts, Culturgest, Porto, Março, 2019; Planalto – Festival das Artes, Moimenta da Beira, Maio, 2019; “Cartografias #2”, Forum Dança, Lisboa, Outubro 2019.
5 Instalação de Rita Castro Neves e Daniel Moreira; Apresentada no âmbito do ciclo “Era já ali e já era outra coisa”, Neblina, Porto, 2021